Você tem curiosidade em saber como fazer um cuscuz ou tabule sem ingredientes à base de trigo que tem índice glicêmico elevado? Quinoa é uma opção, mas nem todos apreciam o sabor que pode ser um pouco amargo. Se você tem diabetes ou está evitando chegar lá e não é fã da quinoa, experimente o painço (millet em inglês e francês). Em uma meta-análise de 65 estudos, este pseudocereal (na realidade uma semente) muito popular na culinária indiana e africana confirmou seu baixo índice glicêmico. O resultado foi que pessoas com diabetes que consumiam o painço há muito tempo tiveram uma redução significativa na glucose tanto em jejum como após a refeição.[i]
Além da glucose, outro parâmetro importante quando o assunto é o nível de açúcar no sangue é a hemoglobina A1c, ou simplesmente HbA1c, que indica a média de açúcar no sangue nos últimos três meses. Manter a hemoglobina A1c dentro dos níveis normais é essencial para evitar as complicações da diabetes, como doença renal e doença cardíaca. Mais um ponto para o painço: a mesma meta-análise citada acima revelou uma redução na HbA1c de 6.65% para 5.67% entre os consumidores da semente. Pode não parecer muito, mas é significativo se levarmos em conta que o valor máximo considerado normal é 5.7% nos Estados Unidos e 6% no Canadá. Note-se que na abordagem funcional, a HbA1c deveria estar abaixo de 5%, mas já é um bom começo.
O folato presente no painço ajuda a explicar o seu bom desempenho em controlar o nível de açúcar no sangue e a melhorar a sensibilidade à insulina em diabéticos.[ii] O painço também é uma boa fonte de vitamina B6, mais um nutriente envolvido na secreção de insulina e sua deficiência é considerada tanto uma possível causa quanto efeito da diabetes[iii]. Ambos o folato e a B6 ainda têm a vantagem de reduzir a homocisteína, um aminoácido resultante do metabolismo que quando está elevado indica maior risco de doenças cardiovasculares. Lembrando que uma das complicações da diabetes é a doença cardíaca – portanto, consumir um alimento que ajuda a controlar a diabetes e ao mesmo tempo a reduzir o risco de uma de suas complicações não é um gol de placa?
E não poderia deixar de mencionar o manganês, já que 100 g de painço – equivalente a meia xicara- fornecem cerca de 70% da recomendação diária deste mineral que se encontra em níveis consideravelmente mais baixos em pessoas com diabetes em relação à população geral.[iv] Provavelmente esta associação se deva às propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias do manganês.[v]
Uma boa dose de fibras e uma quantidade razoável de proteína são outros destaques do painço. Nada mal para uma semente usada no mundo ocidental como comida de passarinho. E para completar, ele ainda é super versátil, muito além de substituir o trigo no cuscuz e no tabule. Ele pode servir de base para hambúrgueres vegetarianos ou veganos, chili, granola e barrinhas de proteína, pães e bolachinhas. Pode até substituir o arroz no sushi e no risoto al funghi. Demais, não? E então? Dê asas à sua imaginação e me conte se você já experimentou o painço e qual as sua receita favorita.
[i] Anitha, Seetha, et al. “A Systematic Review and Meta-Analysis of the Potential of Millets for Managing and Reducing the Risk of Developing Diabetes Mellitus.” Frontiers in nutrition vol. 8 687428. 28 Jul. 2021, doi:10.3389/fnut.2021.687428
[ii] Gargari, Bahram Pourghassem et al. “Effect of folic acid supplementation on biochemical indices in overweight and obese men with type 2 diabetes.” Diabetes Research and clinical practice vol. 94,1 (2011): 33-8. doi:10.1016/j.diabres.2011.07.003
[iii] Mascolo, Elisa, and Fiammetta Vernì. “Vitamin B6 and Diabetes: Relationship and Molecular Mechanisms.” International journal of molecular sciences vol. 21,10 3669. 23 May. 2020, doi:10.3390/ijms21103669
[iv] Koh, Eun Sil, et al. “Association of blood manganese level with diabetes and renal dysfunction: a cross-sectional study of the Korean general population.” BMC endocrine disorders vol. 14 24. 8 Mar. 2014, doi:10.1186/1472-6823-14-24
[v] Li, Chang, and Hai-Meng Zhou. “The role of manganese superoxide dismutase in inflammation defense.” Enzyme research vol. 2011 (2011): 387176. doi:10.4061/2011/387176