“Bem vindo a América,” um americano diz e te entrega um panfleto: COMO COMEÇAR UMA VIDA NOVA NOS ESTADOS UNIDOS — dentro do panfleto, dezenas de conselhos em português guiando recém chegados e respondendo todas as primeiras perguntas que bombardeiam imigrantes quando pisam em solo americano. Que sonho, né? Ou talvez um quiosque em cada esquina como um Starbucks; melhor: ainda um quiosque DENTRO do Starbucks com o mesmo propósito. Nada melhor do que se acostumar com o gosto do café do Starbucks para começar a se “americanizar.”
Mas, não é bem assim. Re-criar uma vida nova num país novo, com uma cultura diferente, uma língua enrolada, e habitantes “frios” — como muitos gostam de descrever os americanos — é bem complicado. E mesmo se entregassem esse panfleto na hora que pisássemos nesse solo cobiçado, as regras seriam interpretadas de maneira diferente por cada um que as lesse, principalmente nós brasileiros, que adoramos dar o nosso jeitinho.
Quando desci do Boeing 747 da Varig no dia 8 de Janeiro, 1989 e entrei na área lilás do Aeroporto de Miami, esperando o trenzinho branco que nos levaria até a parte da imigração e depois até as nossas malas, já me sentí em casa. Tinha apenas treze anos, mas mesmo sem entender o que a voz robótica do trenzinho falava em cada estação do aeroporto, algo na atmosfera de ar condicionado do aeroporto fez dessa paulistana uma americana nos primeiros dez minutos de chegada. Tenho plena consciência que essa não é a experiência da maioria que chega, principalmente porque chegam mais velhos do que eu, com a responsabilidade de “criar” seu próprio filho(a) de treze anos. Mas, talvez alguns pré-adolescentes se sintam como eu me senti: em casa.
O Mariel Boatlift tinha acabado de acontecer quando chegamos. Morávamos em Miami Beach e a presença policial na área era saturada, porém a forma na qual os policiais se comportavam me intrigava. Naquela época Miami Beach estava longe de ser a Miami Beach que é hoje.
Quatorze anos depois que cheguei em Miami, jurei a bandeira americana e dirigi direto para o “headquarter” do Miami Dade Police Dept para emitir minha aplicação inicial para ser policial; trabalhava como despachante de policia na época para o mesmo departamento, mesmo assim o processo foi tão longo quanto o de uma pessoa que viesse de fora. Esse “sonho” de ser policial sempre ficou aceso dentro de mim. Recentemente, após dar uma entrevista, um dos atendentes na plateia me perguntou se a minha vontade de tornar-me policial tinha a ver com o assassinato do meu pai no Brasil – no dia dos pais em 1983. Nāo soube responder definitivamente, pois sempre tive um ar justiceiro desde criança durante meus discursos defendendo aqueles que nāo tinham voz para falarem por eles próprios. No Brasil, minha família tinha certeza que eu seria a “advogada” da família, apesar do meu amor à matemática e à escrita. Talvez, em artigos futuros, possa responder o porquê de ser policial; o que sei é que eu nunca desisti do idealismo que os Estados Unidos era um dos países onde os sonhos se concretizam.
Então, se seu sonho é fazer parte da família de policiais, deixe-me descrever os passos que todo imigrante naturalizado deve esperar que terá que seguir para alcançar esse objetivo:
Ao entregar a aplicação inicial, o candidato recebe uma aplicação mais grossa (quase um livro) e tem um tempo determinado para preenchê-la em detalhes. Tudo que é escrito ali é analisado pelo investigador(a) responsável pelo seu processo (credito econômico, histórico policial e quaisquer dados que possam difamar seu caráter. Um exemplo: contatos com pessoas que já foram condenadas na corte, são fatores decisivos no começo da investigação. Depois o candidato passa por um teste chamado CJBAT (Criminal Justice Basic Abilities Test), que basicamente mede o seu estado físico. O teste se compõe (mas não se limita, pois pode ter mudado desde 2003) dos seguintes fatores: correr 1.5 milhas em um tempo determinado, apertar o gatilho de um revolver .38 x vezes em 60 segundos, carregar um manequim que pesa em média 150lbs por uma certa distância, e outros exercícios que avaliam o estado fisico necessário para ser policial. Depois de passar o CJBAT, o aplicante vai para uma orientação onde entrega a aplicação detalhada com todo seu histórico vital. Depois da orientação, o investigador(a) responsável pelo seu caso começa a revirar todas as pedrinhas do seu passado. O próximo passo é o polígrafo; seguido pelo Assessment Center, onde o aplicante tem a oportunidade de usar seus talentos de ator(atriz). Como funciona: ao aplicante é dado um papel com uma cena (usualmente algo que acontece no dia a dia do policial a trabalho) quando chamado. Dois policiais com roupas comuns fazem o papel das pessoas que chamam a polícia e o aplicante tem que agir da forma que achar mais necessária diante da situação. Toda a cena é gravada e o cenário é montado como no cinema. O teste psicológico e um exame médico são os últimos passos antes da “review” final. Todo esse processo demora de 9 a 12 meses para o aplicante ser contratado e poder participar da academia de policia, o que leva uns seis meses mais. Observação: esse processo é limitado ao departamento do condado de Miami Dade, que seria o Sheriff’s Office do próprio condado. Outros departamentos tem outros requisitos, mas seguem mais ou menos o mesmo roteiro já que alguns testes são determinados pelo Florida Department of Law Enforcement (FDLE).
Em Agosto de 2004 me formei na academia de policia. Apesar de aprender lições lá dentro, além do treinamento básico para ser policial, que naqueles momentos me deixava em conflito se havia feito a escolha certa de entrar nesse “mundo” infinitamente mais diferente do que eu havia imaginado e me preparado, essas lições nāo só salvaram minha vida quando tive meu acidente em Janeiro de 2006 que me deixou paraplégica e em coma por seis semanas enquanto patrulhava, como até hoje me servem como um “panfleto pessoal” para o meu dia a dia.
Escolher os objetos necessários, levantar a família do “conhecido” e mudar para o desconhecido que promete uma vida melhor não é fácil. Talvez, a pior experiência é a desilusão quando somos tratados como cidadãos de terceira classe por ainda não entendermos o jeito que as coisas são feitas. E quando aquela dúvida bater forte e te fizer perguntar: “será que fiz a escolha certa?” Eu lhe asseguro que essa é a pergunta errada. Lembre-se que algo lhe fez tomar a decisāo de mudar para cá, lembre-se daquele “porquê” que causou o impulso; e aí se pergunte: “O que é que EU preciso mudar em mim, para poder me acostumar melhor com o que está ao meu redor?” Wayne Dyer dizia: “Quando você mudar a maneira de olhar para as coisas, as coisas que você olhar mudarāo.”
Bem vindo à America … que todos os seus sonhos se realizem!
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